A Última Fortaleza (2ª Parte)




- LIGAÇÃO RESTABELECIDA -
 

"Vou proceder à conclusão do último ficheiro. Obrigado a quem está a receber as minhas ligações... O Kyrian está por aí algures... Encontrem-no!"


-Procedendo à descarga de ficheiro 001.rg8-
>>Descarga concluída. 

>>Nome de ficheiro: A Última Fortaleza (2ª parte)

-Em reprodução-

 
- Ian… tenta perceber o teu avô.
- Não me chamo Ian, chamo-me Kyr…ian… - Disse sílaba a sílaba controlando a sua agressividade – E o Henry sempre me disse que devíamos ser justos e que esta cidade não repartia as oportunidades e riquezas de maneira equilibrada, que alguém devia restituir esse equilíbrio.
- Mas não a ir contra a lei Ian! – Disse o velho gritando, fazendo um gesto repentino e atirando com a caixa dos bolos ao chão. Kyrian levantou-se e olhou para os bolos espalhados, enquanto um veio a rebolar e lhe bateu no pé. Kyrian perdeu a calma.
- EU CHAMO-ME KYRIAN! E QUEM É VOCÊ PARA ME VIR DAR LIÇÕES DE MORAL, QUE NEM SEQUER SE COMPORTA COMO UM AVÔ!
O velho ficou estático com os olhos trémulos, uma lágrima caiu-lhe do rosto, mas mantendo a mesma postura altiva.
- Tens razão, eu não sou teu avô sequer… Mas não foi pelo facto de não o ser, que te deixei de dar todas as condições que qualquer jovem como tu precisou para crescer feliz…
- Feliz?! – Kyrian olhou com uma face irónica para o velho, rindo-se para o chão – Vossa excelência… Henry Arstov, fez tudo para me fazer feliz? E isso foi exactamente quando? No período em que me deixavas sozinho em casa semanas a fio?
- Não estás a ser razoável!
- Nem sei o que estou aqui a fazer, nem porque raio lhe vim dar explicações… Sempre preferiu a sua vida militar a criar-me, sempre preferiu dedicar-se a missões do que a tomar conta de mim… E agora que já não é preciso, quer-me vir dar lições de moral – Disse Kyrian em cólera.
O homem baixou-se pelo chão, apanhando os bolos que deixara cair de rosto voltado para baixo, colocando-os na caixa. Kyrian conseguia perceber lágrimas a cair no chão… Aquela imagem sensibilizara-o e fizera ver o quão injusto estaria a ser… Apanhou o bolo aos seus pés e aproximou-se do avô, colocando o bolo na caixa.
- Desculpe – Disse Kyrian quase inaudível.
O velho permaneceu silencioso colocando os bolos na caixa. Sobrou um bolo que estava na ponta da sala, Kyrian levantou-se para o ir buscar, mas ao aproximar-se, o bolo começou a rodopiar pelo chão, em direcção ao seu avô, ao bater na caixa, rodopiou por cima e entrou dentro dela. Então Henry fechara a caixa e colocara-a de novo sobre a mesa.
- Desculpe a sério que não foi por…
- Não te retraias Kyrian – Disse o velho olhando pela janela, de costas ao seu neto – Tu tens razão em muita coisa do que dizes…
Kyrian ficara sem expressão, desviando o seu olhar para o chão e remexendo o cabelo, pensando no que dizer…
- Kuala Lumpur – Disse o velho.
- Desculpe? – Disse Kyrian olhando de novo para o seu avô, que olhava agora para si recomposto…
- O código do museu onde os Dilan vão expor as jóias - Kyrian estava absolutamente boquiaberto com o que estava a ouvir – Já que vais fazer um crime, ao menos fá-lo de maneira a não deixar rastos, combinado? E é bom que tu e os teus amigos façam o serviço rápido, pois a qualquer momento os sistemas reactivam-se, estão configurados contra desbloqueios que não foram programados na central e por isso, assim que detectarem a falha, voltam a ligar-se.
- Como é que…
- Eu sei isto? – Disse o velho sorrindo – Bom sabes, a minha “vida dupla” trás consigo as suas vantagens – Disse de maneira quase irónica – nomeadamente a de saber…
- Todos os códigos da central – Disse Kyrian sorrindo – Henry… Tu mereces o título que te dão!
- O título?!
- Todos os que trabalhavam contigo, que moram no topo da cidade referem-se a ti como “espectro”, o homem capaz de penetrar qualquer defesa…
- Faz alguns anos que não ouvia esse nome – Disse suspirando e olhando pela janela para o fundo da cidade – A vida lá fora é complicada… Tens de ter cuidado! – Tocando no vidro da janela, novamente várias luzes se ligaram mostrando vários canais de difusão e carregou no noticiário que estava mais próximo de si e este alargou-se ocupando todo o vidro da janela e dando voz ao jornalista.
“(…) E eis que depois de vários anos, vai ser realizado o primeiro lançamento ao espaço da nave Echo, com fim a descobrir planetas com os recursos necessários para o repovoamento da espécie humana. (…)” Na janela, passavam várias imagens da nave, um modelo optimizado, com recurso de energia foto voltaica de alto rendimento, super liga de aço leve, que lhe conferia uma rapidez muito superior aos modelos anteriores às grandes guerras. Era também extremamente fina tendo proporções muito pequenas. Apareceu então o jornalista a entrevistar a equipa de astronautas que ia levar a missão em curso. “(…) A equipa é constituída por 9 elementos que foram treinados meses a fio para este desafio, resta esperar e rezar para que este Echo da Humanidade seja escutado pelos Deuses (…)”
Henry encostou-se na cama a rir com aquelas palavras… Kyrian aproximou-se e sentou-se ao lado do seu avô.
- Não acreditas nisto?
- Ian – Disse devagar, esperando reacção do seu neto, mas este não se manifestou e então prosseguiu – Sabes o que penso? É que se formos habitar outro planeta, vamos destruí-lo mais depressa ainda que destruímos a Terra.
Kyrian escutava com atenção o diálogo do seu avô tentando entender os seus motivos.
- A raça humana esteve sempre a destruir aquilo que lhe foi dado, agora que a natureza se cansou de suportar os caprichos do Homem, ele decidiu ir à procura de mais sítio para escavar, matar, arrancar, esgravatar… Chamar-nos parasitas seria pouco.
Kyrian encostou-se à janela…
- Talvez tenhas razão avô… Talvez a espécie humana não seja assim tão boa, mas olha para nós… Milhões de anos depois do aparecimento da Terra e aqui estamos, resistindo aos nossos próprios ataques…
- Como parasitas... – Disse o seu avô.
- Ou como lutadores – Disse Kyrian sorrindo e indo de encontro ao olhar do seu avô.
O avô sorriu e assentiu com a cabeça…
- Lembras-me a tua mãe… Sempre a esperar as melhores coisas do Homem… Pobre Rahissa, que a sua alma esteja em descanso…
- A minha mãe…
- Ainda antes de tu nasceres e a tua mãe já te amava, é impossível esquecer o sorriso dela quando soube que estava grávida… E o Charles… O Charles estava radiante.
Kyrian colocou a mão por debaixo da sua camisola e sentiu um pêndulo que guardava de recordação do seu pai…
- Ian, tu foste uma criança muito desejada… Pelo teu pai, pela tua mãe e até por mim… - Henry limpou a cara das lágrimas que agora lhe caiam com frequência – Eu vi nascer a tua mãe, criei-a, brinquei com ela, treinei-a… Eu era o pai dela… Mesmo não sendo ela do meu sangue… E tu, a mesma coisa. – Henry olhou para o rosto do seu neto e levantou-se aproximando-se – Nunca digas que não te amei, como um avô ama um neto. Eu sei… Nunca fui um avô presente, mas tudo o que fiz, foi para que tu pudesses viver neste mundo com a esperança e amor que levas pela humanidade. Foi por ti e pela memória dos teus pais que eu lutei com todas as minhas forças, até à exaustão.
Kyrian olhou para os olhos brilhantes do seu avô. Sem pensar mais abraçou-o e sorriu…
- Eu amo-te e para mim serás sempre o meu neto Kyrian…
- Avô… Chama-me Ian… - Disse Kyrian sorrindo, mas assim que terminou a frase, do seu braço disparou um som que ecoou na sala.
Kyrian soltou o seu avô e bateu numa chapa em redor do braço e esta deslizou, revelando um ecrã.
- É o Trace – Disse olhando para o avô – Está a dizer para me encontrar com ele na Torre Ómega…
O avô assentiu, e retirou dois bolos da caixa, entregando um ao seu neto. Kyrian sorriu e comeu-o enquanto agarrava na mochila e a punha as costas… Ao abrir a porta sente algo a passar-lhe pelo cabelo…
- Toma cuidado Ian – Disse o seu avô com um gesto como se estivesse a fazer-lhe uma festa na cabeça.
Kyrian assentiu sorridente a olhar para o avô e então fechou a porta. Caminhou pelo corredor de pacientes terminais do Hospital 3rd Paradise, até atingir o elevador.
Dentro do quarto de Henry, a janela tinha voltado ao ecrã inicial.
- Estás a fazer o tracking, Tellason?
- É claro Espectro… e já o encontrei, ele está a descer o elevador… Dentro de breves horas, o descodificador que o fizeste engolir vai desactivar o neuro-chip dele.
- Perfeito! – Disse sorrindo – Prepara uma cópia de todas as minhas memórias registadas… Deverá chegar às mãos do Ian se alguma coisa me acontecer… Está é a última missão que te entrego, meu fiel companheiro, até os teus circuitos devem precisar de descanso.
- Foi um prazer servir-te Espectro… centenas de anos às mãos do Homem e ainda não criaram sentimentos nas nossas máquinas, mas sabes… Nestes meus últimos dias de vida, reparo numa frequência de dados que nunca soube explicar, penso ter descoberto o que são sentimentos e lamento tal facto… Não foste meu mestre ao contrário do que era suposto, mas sim meu “amigo” se é que esse tipo de relações existe entre um homem e um MEHCA. E é por isso que lamento sentir, porque sinto que vou perder a pessoa pela qual tenho mais afecto neste planeta.
O velho sentou-se na cama olhando para o grande ecrã…
- Tu e os teus discursos – Disse rindo, escondendo a cara do ecrã – Muito gostas de dramatizar meu amigo – Tentou desvalorizar – Só quero que me prometas que fazes tudo ao teu alcance para protegeres o meu neto… - No ecrã a face metálica assentiu.
Dois andares abaixo, Kyrian estava a entrar no terraço onde tinha a sua Viperon, uma mota muito especial, que tinha sido oferecida pelo seu avô. Ao sentar-se, deslizou as mãos para dentro de duas caixas laterais, que procederam à sua leitura digital e do ecrã um laser analisou as retinas de Kyrian. A seguir à mensagem “Passageiro reconhecido” da base da mota saíram duas pequenas turbinas sónicas que se activaram de imediato, elevando a mota do solo.
Ao olhar de novo para a entrada do terraço viu um ecrã gigante com letras verdes que deslizavam com a seguinte mensagem:
Esta é a sua casa… A sua última fortaleza… Ajude a manter a paz no seu lar… Seja justo”
Kyrian sorriu, retirando uns óculos da sua mala.
- Apenas a cumprir o meu dever como cidadão… Apenas o meu dever… - Sorriu.
A mota arrancou pelos ares, por entre os vários arranha-céus, levando Kyrian ao seu próximo destino…
- LIGAÇÃO INTERROMPIDA -
-TENTATIVA DE LIGAÇÃO EM 1 DIA-

Posted by Kane Blitwun |

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